sexta-feira, 8 de maio de 2009

CRÔNICA

SÔ AUGUSTO

José Roberto Del Valle Gaspar*

Augusto de Souza Dias, nascido em Paraguaçu/MG em 11/01/1913 e radicado em Muzambinho/MG, era um negro já idoso e curvado pela sua alta estatura, e ficou conhecido como Sô Augusto.

Morava ele em um sítio e todo mês ia montado em seu velho cavalo até a cidade para fazer compra de mantimentos, como ele mesmo dizia. Dona Mariinha, sua esposa, vinha atrás com sua surrada sombrinha colorida, que cobria-lhe dos raios solares.

Apesar de ser um simples lavrador, ele era apaixonado pela música, e mantinha uma sanfoninha de oito baixos em sua casa. Insistentemente pedia para Antonio Bianchi, mais conhecido por “Mixirica”, que ajeitasse o gravador para gravar seu repertório, o equipamento era daqueles portáteis que utilizavam fita K7.

Mixirica, que também era seu patrão diarista, marcava um dia na venda de sua família, qual se transformava num estúdio de gravação. Sô Augusto chegava antes do horário marcado, primeiro tomava altas doses de jurubeba, uma bebida amarga e de alto teor alcoólico, depois pegava a velha sanfona que trazia amarrada nos arreios e tocava e cantava músicas antigas e desconhecidas do público, mas tudo era uma festa.

Sô Augusto era ingênuo e acreditava em quase tudo que ouvia, mas também era contador de histórias, quase todas inacreditáveis, que as pessoas ouviam e manifestavam-se incrédulas, mas ele confirmava tudo.

Geraldo Tardelli, mais conhecido por “Geraldinho Sapo”, gostava de fazer brincadeiras com o Sô Augusto, e dizia para ele que Antonio, mais conhecido por “Maricate”, filho do Sr. Sebastião Alves, o popular “Batiãozão”, fazia “trabalhos”, era mandingueiro, e que ninguém “poderia” com ele, razão pela qual o velho curvilíneo, desconfiado que era, guardava certa distância do rapaz, no entanto, afirmava e se gabava que não tinha medo de feitiçarias.

Certa vez, Maricate, vendo o cavalo pertencente ao Sô Augusto amarrado num mourão de cerca ao lado da venda, e aproveitando-se do barulho da música e da cantoria que vinha de lá, pé ante pé, colocou uma vela colorida acesa em cima dos arreios, e, alertado por uma pessoa, Sô Augusto saiu na rua correndo enfurecido e num salto arrancou a vela e a arremessou longe, e logo desconfiou de quem teria feito tal maledicência, foi um “reboliço” quando começou ele a procurar pelo malfeitor aos gritos:
- Só pode sê o Maricate do Bastiãozão!
Maricate, depois do feito, escondeu-se em meio aos carros que seu pai comprava para desmanchar, aqueles fordinhos antigos e outros ainda feitos de madeira e lata, que eram desconjuntados sem dó a golpes de machado pelo sério e fiel empregado Nélio Sequaline, mais conhecido por “Nélio Ferreiro”. Maricate não saia do esconderijo por nada, enquanto isso, o Sô Augusto procurava por ele, esbravejando:
- Eu pego aquele danado, eu num tenho medo de mandingueiro!

Quando Maricate resolveu aparecer, foi dizer, sarcasticamente, ao Sô Augusto que não era ele que tinha feito aquilo, aí a coisa ficou feia, o velho utilizou-se de seu rebenque, instrumento que usado para fazer cavalo andar, e foi “rebenqueada” para todo lado, a poeira levantou e o Maricate sumiu no cordão de poeira e não foi mais visto.

Dias depois, Maricate viu o Sô Augusto na venda, foi lá se fazendo de arrependido e pagou uma dose de jurubeba como pedido de desculpa. Sô Augusto olhou o copo de um lado, de outro, e, desafiado pelos presentes, acabou bebendo para mostrar que mandingas não lhe atingiam.

Este ocorrido foi um dos muitos em que Sô Augusto foi o principal protagonista, ele trazia consigo os costumes dos seus ancestrais africanos, e em seu repertório músicas que certamente vieram dos escravos e quilombolas. Ele afirmava que tinha servido o exército brasileiro, mas tinha perdido os documentos que provariam tal feito.

Contar histórias, mesmo que pitorescas, é uma forma de lembrar de pessoas folclóricas, que deixaram saudades, como o Sô Augusto, que, apesar da sua simplicidade, por onde passava deixava sua mensagem de cultura e de alegria, como a dizer que não nos esquecêssemos dele, e este foi um grato momento de lembrá-lo.

*Autor (Crônica publicada no jornal "A Folha Regional" de 09/05/2009)