quarta-feira, 29 de abril de 2009

CRÔNICA


2009

José Roberto Del Valle Gaspar*

É verão, inicio de ano, e, nesta tarde, depois de chuvas finas de idas e vindas, o sol abriu uma brecha entre nuvens e seus raios transpuseram a janela envidraçada e transparente, como a um convite a sair para uma caminhada. Logo depois, as nuvens foram levadas e o céu azul apareceu quase em sua totalidade no campo visual possível, após período encoberto.

A vida é assim, a natureza, essência dos seres, com suas mutações, nos convida, traz novos horizontes e nos mostra os caminhos, como também a cobrar novas atitudes, impondo-nos que caminhemos, persistentes e aventureiros.

Novo ano, novos dias, novos sonhos e novas esperanças que se avolumam e se concentram, criando forças para a caminhada cotidiana.

Um passarinho canta, chamando atenção, outros já se recolhem, porque já se faz tarde no horário especial dessa estação, mas a vida segue.

A nós importa ver o tempo, tempo que não para, mas que permite escolhas de bem viver, o certo ao errado, a benevolência à maledicência e o amor ao desamor.

O sol, com seu feixe de luz, clareia os caminhos e é substituído amenamente pela lua ao anoitecer, e nós também seremos substituídos durante a caminhada, nas horas de merecido descanso.

Almejamos a felicidade, que é buscada constantemente, mas ela estará sempre nas pequenas coisas do dia a dia, é só aprender a enxergá-la, a própria vida é uma dádiva que se renova com o conhecimento de nós mesmos e em convivência harmônica com os demais que nos rodeiam.

Então, com nossas esperanças renovadas, enveredemos pelos caminhos que a natureza nos mostra e convida a seguir, tendo como norte os nossos sonhos de prosperidade, mas sublimados na paz e na fraternidade.

Desejamos um feliz 2009 a todos os leitores do jornal “A Folha Regional”, que percorre por todos os cantos de nossa cidade e região, levando notícias e informações, cumprindo com os objetivos decorrentes dos sonhos e das atitudes daqueles que o fazem com muita dedicação, e que caminham sempre iluminados pelas luzes celestes que a natureza cósmica propicia.

*Autor (Publicado no jornal "A Folha Regional" em 10/01/2009)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

CRÔNICA


URTIGÃO

José Roberto Del Valle Gaspar*

Antonio, mais conhecido por “Tõe Carro”, era um simples lavrador, não tinha bens e mudava sempre de morada, mas se mantinha na mesma localidade, sendo que nesta circunstância morava sozinho em uma palhoça velha feita de taipa e coberta com sapê, no meio de uma capoeira, totalmente isolado, era um típico “matuto” do século XX.

Tõe trabalhava avulsamente, cada dia para um dos pequenos produtores rurais das cercanias de Bela Vista da Aparecida. Às tardinhas, depois da jornada de trabalho, ficava sentado num velho tronco que mantinha estirado na porta de sua choça, fumando seu cigarro de palha, que dizia utilizar para espantar os pernilongos. Entre uma baforada e outra, nas noites claras, olhava para o céu, via as estrelas, a lua, analisava o tempo e suspirava. Isto quando não ia pescar no ribeirão que fica ali perto e que só dava lambaris e gambevas ou ainda visitar os amigos e jogar conversa fora, contar histórias, que mais pareciam estórias.

Tõe contava que tinha chegado a aprender o abc e que o livro que tinha estudado chamava-se “Cartila da Infança”, que, logicamente, deveria ser Cartilha da Infância. Afirmava ele que sabia ler algumas palavras por soletração, principalmente nomes de remédios em almanaques.

Tõe relatava que conhecia televisão, fazendo gestos para transmitir o que tinha visto, com olhos de espanto, quase aterrorizantes, como se fosse uma coisa de outro mundo. Dizia que era igual uma caixa de “corozena”, parecida com rádio grande, onde pessoas apareciam lá dentro e falavam, no entanto, se olhasse por trás, não se via ninguém, era um “trem” esquisito, não sabendo dizer quem teria inventado tal esquisitice.

Certo dia, tendo combinado serviço com um produtor, apesar de ser “homem de palavra”, não cumpriu a “combinação”. Dias depois é que justificou sua falta. Contou ele, que no dia anterior ao combinado para o serviço, havia ingerido comida esquentada, que tinha ficado o dia todo na panela, o que lhe havia rendido uma diarréia daquelas. A maldita diarréia teria ocorrido de madrugada, e, naquela noite, não havia claridade da lua, era nova, uma escuridão danada. Teria saído correndo para o matagal mais próximo e ali começado a resolver a situação, no entanto, ao tatear na procura por folhas verdes para a higiene, foi infeliz, não percebendo que havia extirpado uma moita de urtiga e utilizado para a limpeza geral. Como se sabe, o nome urtiga deriva do verbo latino “urere” que é o mesmo que arder. O sofrimento havia começado, teve que providenciar uma gamela com água em infusão de arnica entre outras plantas que mantinha cultivadas ao lado de sua palhoça, mergulhando ali as partes de forma global, inclusive a linha meridional. Segundo ele, a dor diarréica e a coceira foram terríveis e se estenderam pela madrugada afora e pelos dias seguintes.

Tõe estava cabisbaixo e exclamava abatido: “Deus o livre!, ô trem danado sô!”.

O Tõe era branco, mas naquela oportunidade estava amarelado, “cor de açafrão”, como ele próprio dizia, devido à diarréia e ao efeito devastador da urtiga.

*Autor (Crônica publicada no jornal "A Folha Regional" em 24/01/2009)

CRÔNICA 2

O ARTESÃO

José Roberto Del Valle Gaspar*

Quando viajamos nesses ônibus que fazem trajetos entre nossas cidades interioranas, ouvimos muitas histórias ou estórias pitorescas e engraçadas, às vezes sérias, mas contadas de modo simples.
De Muzambinho partem para Cabo Verde, Botelhos, Poços de Caldas...; Monte Belo, Areado, Alfenas....; Guaxupé, Guaranésia, Arceburgo...; Juruaia, Nova Resende.... e outros trajetos.
Certa vez, estava eu indo para Poços de Caldas num “busão” desses, e, após Botelhos, entra um senhor com algumas sacolas, trajando roupas simples e com um bonezinho no alto da cabeça. Procura um lugar vago, e, apesar de ter vários, incomoda uma senhora que está com suas malas em cima do banco ao seu lado. Esta, com toda delicadeza, tira seus pertences e o senhor se senta, se ajeita, dá uma olhada em volta, depois se fixa em um rapaz que está no banco do outro lado do corredor. Após algum tempo o reconhece e pergunta:
- Cume qui tá... eu num tava te cunheceno...cê tá diferente...!
O moço responde:
- É..., o senhor tem razão, já deve fazer uns deis anos mais ou menos que a gente não se encontra!
Aí a conversa continua.
- Si num fais, tá ranhano isso!
- E o Jorge, o que ele tá fazendo?
- Ah! O Jorge foi jogar futibol na fazenda canelinha, hoje é dia santo mêmo, tem muita gente que guarda...os padre transfiriro pro domingo mais próximo!...
- E o Miguel?
- O Miguel tá em casa, num sei cumo ele num foi atrais do Jorge, ele gosta de vê ele jogá!
- O senhor vem aqui todos os dias?
- Não! as veis eu fico em Poços a semana intera!
- Continua mexendo com taquara?
- É... tamém, deis dos oito ano qui eu trabaio cum taquara, praticamente!, fazeno balaio e cesta!
- Sempre que eu passo de ônibus eu vejo o senhor trabalhando!
- Ce já viu vinte e um balaio de taquara trançada e rematada dentro de uma caixa de fósforo!!??
- Não!!??
- Puis é, ninguém acridita, si tivé aqui na minha sacola, vô te mostrá!
O senhor tirou um bauzinho de taquara de dentro da sacola, por sinal, muito bem feito, e de dentro deste tirou uma caixa de fósforos.
- Aqui, dá uma oiada!
O rapaz abriu a caixinha e comprovou que realmente haviam vinte e um balaios, em miniatura, bem elaborados, então pedi para dar uma olhada e confirmei.
- Viu... tamém si num vê num dá prá acriditá mêmo né, tem gente que aposta que é mintira!... e vem de longe comprová!
A senhora que estava do lado também olhou e ficou admirada não só com os pequenos balaios, más também com o bauzinho em forma de duas peneirinhas, uma sobre a outra.
O homem era um habilidoso artesão, apesar da sua simplicidade.
Nesses casos é que vemos que a arte muitas vezes advém de pessoas tão simples, que nem sequer sabem o que é ser artesão e muito menos que o resultado do seu trabalho é arte.

*Autor (Publicado no jornal "A Folha Regional" em 31/12/2008)

domingo, 26 de abril de 2009

CRÔNICA

SIMPLICIDADE

José Roberto Del Valle Gaspar*

Meu tio Álvaro, caçula dos irmãos de meu pai, era muito brincalhão e “tirador de sarro”.

Certo dia, sarcasticamente, comentou com um amigo seu e da nossa família de nome Antonio Carlos, mais conhecido por “Tõe Carro”, que sabia fazer um remédio “doido de bão” para nascer cabelos. Tõe Carro, além de desprovido de cabelos, careca, era também desprovido de malícia, quase simplório, matuto, sem escolaridade e só sabia ler algumas palavras por soletração. Ele ficou louco por tal remédio e pediu insistentemente para que meu tio lhe fizesse um tanto qualquer. Naquela ocasião, Tõe morava sozinho numa tulha ao lado da casa do meu tio, era lavrador, trabalhava para um e para outro, no entanto, sofria muito com o sol ardente, pois usava chapéu velho de palha que não vedava adequadamente os raios solares, então colocava capim verde ou folha de bananeira no alto da cabeça e vestia o chapéu por cima para refrescar a “moringa”, como ele próprio dizia.

No dia seguinte meu tio entregou ao incauto Tõe um vidro fechado com uma rolha e lhe disse conter o remédio. Tõe, por sua vez, crédulo e sorridente, perguntou como era o procedimento para aplicação. Meu tio esclareceu que era só passar na careca de manhã cedo e à noite que em pouco tempo teria seus cabelos de volta.

A partir daquele momento, Tõe passou a viver com um velho espelho não mão, daqueles com quadro de madeira pintado de vermelho, para acompanhar o esperado nascimento dos fios de cabelos.

Passou-se alguns dias e meu tio perguntou a Tõe sobre o efeito do remédio, cuja resposta foi que ainda não tinha nascido nenhum fio. Meu tio então recomendou ao coitado que continuasse com o “tratamento” por mais algum tempo, pois o caso dele certamente era mais grave do que os demais.

No final da semana seguinte, Tõe chamou meu tio e disse que tinha acabado com o remédio todo e nem sombra de nascimento de cabelos. Então, meu tio, que até aquele momento dos acontecimentos tinha se mantido sério, caiu na risada desbragadamente e Tõe ficou atônito sem entender o que estava acontecendo. Então, depois de se recompor do descontrolado ataque de risos, meu tio contou a ele que na verdade foi uma brincadeira e que o “remédio” era na realidade água suja de enxurrada. Tõe ficou possesso e mandou-o para aquele lugar, esbravejou muito e correu atrás dele com uma cana seca de milho na mão, mas não conseguiu acertar nenhuma cacetada, graças a esperteza do embromador, que era mais novo e se embrenhou em um milharal próximo, e, mesmo que tivesse acertado, não causaria nenhum ferimento pela fragilidade da “arma” que foi utilizada.

Depois de certo tempo, Tõe acabou perdoando o meu tio e a amizade entre eles permaneceu, foram grandes companheiros de prosas e de pescarias.

*Autor (Crônica publicada no jornal "A Folha Regional" em 06/12/2008)