Antonio, mais conhecido por “Tõe Carro”, era um simples lavrador, não tinha bens e mudava sempre de morada, mas se mantinha na mesma localidade, sendo que nesta circunstância morava sozinho em uma palhoça velha feita de taipa e coberta com sapê, no meio de uma capoeira, totalmente isolado, era um típico “matuto” do século XX.
Tõe trabalhava avulsamente, cada dia para um dos pequenos produtores rurais das cercanias de Bela Vista da Aparecida. Às tardinhas, depois da jornada de trabalho, ficava sentado num velho tronco que mantinha estirado na porta de sua choça, fumando seu cigarro de palha, que dizia utilizar para espantar os pernilongos. Entre uma baforada e outra, nas noites claras, olhava para o céu, via as estrelas, a lua, analisava o tempo e suspirava. Isto quando não ia pescar no ribeirão que fica ali perto e que só dava lambaris e gambevas ou ainda visitar os amigos e jogar conversa fora, contar histórias, que mais pareciam estórias.
Tõe contava que tinha chegado a aprender o abc e que o livro que tinha estudado chamava-se “Cartila da Infança”, que, logicamente, deveria ser Cartilha da Infância. Afirmava ele que sabia ler algumas palavras por soletração, principalmente nomes de remédios em almanaques.
Tõe relatava que conhecia televisão, fazendo gestos para transmitir o que tinha visto, com olhos de espanto, quase aterrorizantes, como se fosse uma coisa de outro mundo. Dizia que era igual uma caixa de “corozena”, parecida com rádio grande, onde pessoas apareciam lá dentro e falavam, no entanto, se olhasse por trás, não se via ninguém, era um “trem” esquisito, não sabendo dizer quem teria inventado tal esquisitice.
Certo dia, tendo combinado serviço com um produtor, apesar de ser “homem de palavra”, não cumpriu a “combinação”. Dias depois é que justificou sua falta. Contou ele, que no dia anterior ao combinado para o serviço, havia ingerido comida esquentada, que tinha ficado o dia todo na panela, o que lhe havia rendido uma diarréia daquelas. A maldita diarréia teria ocorrido de madrugada, e, naquela noite, não havia claridade da lua, era nova, uma escuridão danada. Teria saído correndo para o matagal mais próximo e ali começado a resolver a situação, no entanto, ao tatear na procura por folhas verdes para a higiene, foi infeliz, não percebendo que havia extirpado uma moita de urtiga e utilizado para a limpeza geral. Como se sabe, o nome urtiga deriva do verbo latino “urere” que é o mesmo que arder. O sofrimento havia começado, teve que providenciar uma gamela com água em infusão de arnica entre outras plantas que mantinha cultivadas ao lado de sua palhoça, mergulhando ali as partes de forma global, inclusive a linha meridional. Segundo ele, a dor diarréica e a coceira foram terríveis e se estenderam pela madrugada afora e pelos dias seguintes.
Tõe estava cabisbaixo e exclamava abatido: “Deus o livre!, ô trem danado sô!”.
O Tõe era branco, mas naquela oportunidade estava amarelado, “cor de açafrão”, como ele próprio dizia, devido à diarréia e ao efeito devastador da urtiga.
*Autor (Crônica publicada no jornal "A Folha Regional" em 24/01/2009)