domingo, 26 de abril de 2009

CRÔNICA

SIMPLICIDADE

José Roberto Del Valle Gaspar*

Meu tio Álvaro, caçula dos irmãos de meu pai, era muito brincalhão e “tirador de sarro”.

Certo dia, sarcasticamente, comentou com um amigo seu e da nossa família de nome Antonio Carlos, mais conhecido por “Tõe Carro”, que sabia fazer um remédio “doido de bão” para nascer cabelos. Tõe Carro, além de desprovido de cabelos, careca, era também desprovido de malícia, quase simplório, matuto, sem escolaridade e só sabia ler algumas palavras por soletração. Ele ficou louco por tal remédio e pediu insistentemente para que meu tio lhe fizesse um tanto qualquer. Naquela ocasião, Tõe morava sozinho numa tulha ao lado da casa do meu tio, era lavrador, trabalhava para um e para outro, no entanto, sofria muito com o sol ardente, pois usava chapéu velho de palha que não vedava adequadamente os raios solares, então colocava capim verde ou folha de bananeira no alto da cabeça e vestia o chapéu por cima para refrescar a “moringa”, como ele próprio dizia.

No dia seguinte meu tio entregou ao incauto Tõe um vidro fechado com uma rolha e lhe disse conter o remédio. Tõe, por sua vez, crédulo e sorridente, perguntou como era o procedimento para aplicação. Meu tio esclareceu que era só passar na careca de manhã cedo e à noite que em pouco tempo teria seus cabelos de volta.

A partir daquele momento, Tõe passou a viver com um velho espelho não mão, daqueles com quadro de madeira pintado de vermelho, para acompanhar o esperado nascimento dos fios de cabelos.

Passou-se alguns dias e meu tio perguntou a Tõe sobre o efeito do remédio, cuja resposta foi que ainda não tinha nascido nenhum fio. Meu tio então recomendou ao coitado que continuasse com o “tratamento” por mais algum tempo, pois o caso dele certamente era mais grave do que os demais.

No final da semana seguinte, Tõe chamou meu tio e disse que tinha acabado com o remédio todo e nem sombra de nascimento de cabelos. Então, meu tio, que até aquele momento dos acontecimentos tinha se mantido sério, caiu na risada desbragadamente e Tõe ficou atônito sem entender o que estava acontecendo. Então, depois de se recompor do descontrolado ataque de risos, meu tio contou a ele que na verdade foi uma brincadeira e que o “remédio” era na realidade água suja de enxurrada. Tõe ficou possesso e mandou-o para aquele lugar, esbravejou muito e correu atrás dele com uma cana seca de milho na mão, mas não conseguiu acertar nenhuma cacetada, graças a esperteza do embromador, que era mais novo e se embrenhou em um milharal próximo, e, mesmo que tivesse acertado, não causaria nenhum ferimento pela fragilidade da “arma” que foi utilizada.

Depois de certo tempo, Tõe acabou perdoando o meu tio e a amizade entre eles permaneceu, foram grandes companheiros de prosas e de pescarias.

*Autor (Crônica publicada no jornal "A Folha Regional" em 06/12/2008)